Passo Forte entre Eras
Autor: Jonny
Ficha Técnica:
The Messenger
Data de lançamento: 30 de Agosto de 2018
Plataformas: Steam (PC) / Switch (Nintendo)
Plataforma testada: Switch
Outras análises do autor para o RPG: Monster Hunter Stories (3DS) / Animais Fantásticos e Onde Habitam (Cinema) / Street Fighter V (PS4 e PC)
The Messenger é o título de estreia do estúdio Sabotage (Sabotage Studio) e publicado pela Devolver Digital.
Sorrateiro e letal como um ninja, o título chega com pompas já tendo 9 prêmios em seu currículo, entre eles, foi vencedor do festival de títulos Indies da Ubisoft 2018 (Winner of the Ubisoft Indie Series 2018 Award) e levou também o prêmio de composição musical no festival de Games independentes de Montreal (Winner of the Montreal Independent Games Festival Music composition Award).
Fora as premiações, The Messenger chama atenção também por ter sido lançado em um mês com títulos de peso como Homem Aranha (PS4) e Dragon Quest XI (Multiplataforma) e ainda conseguir chamar muita atenção de crítica e público. Mas, o que será que este modesto (em termos de investimento) título tem tanto a oferecer?
A missão dO Mensageiro
A premissa que justifica a aventura de The Messenger (TM) é simples e até certo ponto clichê. Você é um ninja de uma pequena e remota vila que recebe a missão de levar um pergaminho ao cume de uma montanha através de um mundo amaldiçoado. Esta simples missão pode representar a sobrevivência de seu clã e também do mundo.
Como é de se esperar, esta missão sofre desdobramentos e falar mais sobre a trama seria um pecado a estragar a experiência de quem lê, afinal, a história acaba tendo mais importância do que aparenta. E essa importância não se dá apenas pelas motivações e implicações finais, mas, em como os personagens apresentados acabam envolvendo o jogador de forma muito orgânica, inclusive quebrando a quarta barreira em muitos momentos e falando diretamente a quem segura o controle.
Você vai se divertir com os diálogos hilários e bem escritos entre seu avatar e diversos personagens, mas, provavelmente o mais importante é o lojista de veste azul. Este personagem contará pra você, desde que solicitado, curiosidades da área onde você está, falará sobre os bosses, além de alguns contos fantásticos e a interpretação dele pra estes contos. As ponderações são divertidas e inteligentes e acabam se tornando uma grande recompensa em si para cada nova área desbravada tamanho a qualidade dos diálogos. Aguarde também por boas zoeiras entre “vocês dois”.
Você vai se divertir com os diálogos hilários e bem escritos entre seu avatar e diversos personagens, mas, provavelmente o mais importante é o lojista de veste azul,(…) suas ponderações são divertidas e inteligentes e acabam se tornando uma grande recompensa em si para cada nova área desbravada tamanho a qualidade dos diálogos
Além do lojista, existem também os Fobitos, que são 4 personagens centrais pra uma das missões que tem relevância pra sequência da aventura. Estas criaturas gentis e simpáticas se metem em algumas confusões que envolvem seus maiores medos. Você vai descobrir jogando. Entretanto, aqui temos mais uma das curiosidades que faz de TM tão peculiar e com a cara de seu criador e diretor criativo, Thierry Boulanger. Meses antes do lançamento de TM, o diretor passou por crises severas de ansiedade o que impactou e influenciou em sua criação. As reflexões do veste azul acima citadas parecem frutos diretos de suas próprias reflexões. E o próprio fato de os personagens Fobitos (o nome já entrega, vai) estarem perdidos e aprisionados por causa de seus medos já deixa explicito esta fase pela qual o diretor passou. Essa curiosidade deixa a obra um tanto quanto mais profunda.
Thierry Boulanger (o quinto de qualquer direção) sofreu de crise de ansiedade e isso influenciou em sua obra.
O passo é leve, a espada é feroz. A dificuldade entrega o tempero
O roteiro e os diálogos serão justificativas suficientes para você embarcar e tem potencial para te segurar até o final, mas, o que esperar em termos de gameplay de um jogo que tem a audaciosa proposta de se espelhar e homenagear clássicos dos 8 e 16 bits?
Bom, seguramente te digo que esse é o maior acerto de TM, sua jogabilidade. Notoriamente você perceberá que está em controle de um ninja (ah vá!) e que isso em si é uma homenagem mais que direta a Ninja Gaiden (clássico do NES). O próprio game fica a cargo de se auto-zoar nesta homenagem em dado ponto. Mas, o game vai além de ser um side-scroller de ação onde você porta uma espada e se veste como ninja. Atualmente acreditar só nisso seria fatal para o projeto. A Sabotage diz que trará em seus games estéticas retrôs com designs modernos. Bom, ao menos em TM é o que ela entrega. E de forma primorosa.
O game vai além de ser um side-scroller de ação onde você porta uma espada e se veste como ninja. Atualmente acreditar só nisso seria fatal para o projeto. A Sabotage diz que trará em seus games estéticas retrôs com designs modernos. Bom, ao menos em The Messenger é o que ela entrega. E de forma primorosa
Uma das responsáveis por esse design moderno é a mecânica “Passo Leve” que consiste em você saltar, golpear um inimigo, objeto ou projétil e após isso ganhar um salto extra. A mecânica é estranha a princípio, mas, logo se torna intuitiva e fluída. O game vai te dando novas mecânicas aos poucos e em bom ritmo que vão exponenciando suas possibilidades do passo leve. Você vai também grudar nas paredes, saltar entre uma e outra, utilizar um gancho para atingir plataformas e inimigos, planar e ainda mais. Os desafios do game, em especial os 45 selos de poder, vão ser transpostos a medida que você domina e se especializa no uso de todas estas mecânicas.
E aí chegamos em ponto determinante de TM: sua dificuldade e seus controles. O game se espelha nos 8 bits não é apenas em sua direção artística, não. Ele é bem desafiador e certamente irá espantar aqueles que não são afeitos a desafios que peçam repetição até o êxito. Mas, o prazer de se conquistar aquele selo que parecia impossível após algumas tentativas é igualmente prazeroso ao desafio proposto. E fica o “alento”: se você morrer, a culpa é sua. Parece clichê dizer isso, mas, o que quero deixar explicito é que os controles são sólidos, refinados e precisos. Se morrer, raciocine e veja se falhou no planejamento ou na execução. O game te dá as condições plenas em termos de controles.
Outra característica que evidencia o design moderno é a forma como você é punido por seus insucessos. Não há vidas e nem continues aqui. O game oferece uma árvore de habilidades para serem compradas na loja com o simpático Veste Azul, lembra? Então, os Cacos do Tempo são a moeda do game. São coletáveis nos cenários e dropados dos inimigos. Com a moeda você evolui seu personagem e ganha novas possibilidades como aumento da barra de vida, do uso de suas shurikens e ainda mais.
Em um game tão desafiador, punições com vidas e continues seriam potencialmente fatais pro sucesso do mesmo. Aqui escolheram então o Sofismuto (pesquise sofisma e volte pra análise), um simpático demônio com asas, pra nos iludir acerca desta “punição”. A única coisa que ele faz é se alimentar de seus cacos de tempo por um tempo após uma “morte” sua. É uma punição branda e que está ali apenas para nos iludir de que realmente houve uma perda enquanto, na verdade, o game continuará sempre te colocando de volta para tentar transpor os desafios dentro das regras propostas. Claro, essa perda não é nada diante dos comentários de Sofismuto: irônicos e que ferem o ego. Estas sim, punições ferozes.
(As “mortes”) são uma punição branda e que estão ali apenas para nos iludir de que realmente houve uma punição (…). Claro, essa punição não é nada diante dos comentários de Sofismuto, irônicos e que ferem o ego. Estas sim, punições ferozes.
Eras são feitas de transições, transições representam diferenças
O game é facilmente dividido em duas partes. Narrativamente são épocas diferentes. Contextualmente é algo mais elaborado que propositalmente não coloquei nesta análise. A equipe que desenvolveu o jogo incluiu essa transição até mesmo nos trailers para fins de divulgação e para atrair mais público. Caso você ainda não tenha visto os trailers ou ainda não saiba do que se trata essa “tal transição” a que me refiro, mantenha assim. Valerá a pena caso você jogue sem esse conhecimento.
De toda forma é possível escrever sobre essa segunda etapa sem prejudicar este “Blow Mind” que estou tentando reservar à sua experiência. E essa parte na verdade serve para também descrever possivelmente a parte mais controversa do game. Mas, tenha calma. Não se trata necessariamente de uma falha que manche o conjunto das partes, mas, que preciso citar.
Em dado momento na aventura ocorre essa transição. Ela será perceptível. Você saberá quando ocorrer. E você saberá além do que os olhos podem ver imediatamente. Saberá, pois a loja deixará de ter a “recompensa” dos diálogos bem escritos. Saberá, pois o formato linear mudará para algo mais aberto e que permite que você decida o destino. Se tornará algo menos scriptado e mais livre.
The Messenger é ousado o suficiente pra topar o desafio de mudar todo um ritmo de jogo em sua metade e, sinceramente, eu gosto dessa audácia. A execução em si desta transição é muito bem feita. Entretanto há um elemento que talvez a equipe que desenvolveu o jogo não tenha pensado pra essa jogada brusca: o jogador entre essas transições
E neste ínterim há diferenças. Se por um lado você ganha constantes novas habilidades, você ganha o fato de que elas são momentâneas de locais e logo, se tornam descartáveis, diferente do que o game até então tinha te ensinado. Entenderá, enfim, que o ritmo muda. E a forma como você receber esta transição é que definirá se você curte ou não o novo ritmo que o jogo propõe.
TM é ousado o suficiente pra topar o desafio de mudar todo um ritmo de jogo em sua metade e, sinceramente, eu gosto dessa audácia. A execução em si desta transição é muito bem feita. Entretanto há um elemento que talvez a equipe que desenvolveu o jogo não tenha pensado pra essa mudança brusca: o jogador entre essas transições. Ou seja, se você, jogador, “virar bem a chave” entre as transições certamente curtirá de forma mais homogênea, caso contrário tenderá a definir muito bem qual sua parte preferida.
Trata-se de gosto e poderá ocorrer de você gostar mais da primeira ou da segunda etapa simplesmente pelo ritmo bem diferente das propostas. Tive predileção pela primeira. Mas, deixo que você escolha a sua favorita.
Uma apresentação Ninja
A parte menos complexa de se analisar e apresentar de TM. Graficamente e sonoramente são tecnicamente perfeitos. Você se sente exatamente nas eras em que eles querem passar, mas, com todo requinte que décadas e gerações de experiência poderiam acrescentar. Há um cuidado inegável aos detalhes dos personagens e cenários, desde suas personalidades visuais a seus objetivos dentro da mecânica. Em cada boss, cada inimigo, cada PNC (Personagem Não Controlável). Todos meticulosamente e requintadamente desenhados pros propósitos de cada desafio. Sabe aquele momento de fim de geração que você sabe que uma produtora esgoelou o console pra tirar o melhor do potencial para seu game? É essa a apresentação visual ou sonora que TM te oferece para cada uma das eras que propõe.
A trilha sonora ficou a cargo de Rainbowdragoneyes. Um autor que é especialista em compor usando apenas hardwares limitados como os de Game Boy e Mega Drive. Aqui em TM ele consegue criar canções que “grudam” na mente e que dificilmente não serão lembradas. Como a Hills of Destiny abaixo:
Veredito:
Falar que The Messenger é um acerto pelo conjunto da obra é um erro. The Messenger é um acerto!
Com uma apresentação impecável e que te leva de forma incrível a viajar entre eras distintas: 8, 16 bits e a atual com sua gameplay que inclui elementos modernos e com desafio ideal que remete à uma das épocas que homenageia. TM ainda traz consigo carisma ímpar e personagens que até quando sem nome são memoráveis. O game ainda tem a qualidade e coragem de arriscar em um mercado que sempre tenta jogar “safe”.
O Mensageiro traz a mensagem e, com ela, acerta até mesmo quando derrapa.
Créditos:
Capa da Análise – MediaIndieExchange
Imagens da Análise – Capturas próprias (Nintendo Switch) e Press Kit da Sabotage.
Música da postagem é uma composição de Rainbowdragoneyes – aqui e Twitter.